A cadelinha da raça Shih-Tzu Milli passeia abanando o rabo entre os corredores do Hospital de Apoio (HAB), na Asa Norte, em Brasília. Com banho tomado e lacinhos nas orelhinhas, está pronta para proporcionar um momento de carinho e distração aos pacientes atendidos na unidade.
Quando ela passa, a mudança no clima hospitalar é evidente: funcionários e pacientes são todos sorrisos e querem brincar com Milli. A cadela de três anos foi a primeira voluntária do projeto Pet Amigo, iniciativa que promove visitas quinzenais e ajuda na recuperação de pacientes com câncer em estágio avançado e em recuperação de sequelas de acidentes.
Uma das primeiras pacientes a ser visitada pela cachorrinha é Andreia Cristina, de 33 anos. Ela está internada há cinco meses no HAB. Há cerca de quatro anos, Andreia faz tratamento contra o câncer. “Já tirei o útero, ovário, trompas, intestino e outros órgãos. A vida segue. Me deram apenas até julho para viver, mas ainda tô aqui. Quem sabe fico até julho do ano que vem”, profetiza. Seu rosto se ilumina com a presença de Milli e outros cachorrinhos em sua maca.
Desde de 2016, os pacientes do HAB têm recebido a visita de cachorros de estimação como forma de terapia. A iniciativa foi ideia de uma veterinária, que já era voluntária no hospital e é a atual presidente da organização não governamenal (ONG) Pet Amigo, Nayara Brea. O projeto conta com 27 voluntários e 15 cães.
Andreia, que sempre gostou de animais e tinha cachorros antes de adoecer, acredita que esse tipo de terapia faz bem para o seu tratamento. “Por eu amar, por eu ter um, a visita deles e o carinho é muito bom. Durante o momento que eles estão aqui, a gente nem lembra do problema pelo qual a gente está passando, depois a gente sabe que volta, mas aquele momento com eles é sagrado”, conta emocionada.
Para a dona da cadela Milli, a assistente social Márcia Brea, a visita faz com que os pacientes evoquem memórias felizes do contato com animais. “Há uma transferência de afeto natural do cachorro. Ele não cobra, ele não julga, então ele não pergunta da doença”, explica.
Pet Terapia
O membro do Conselho Nacional de Medicina Veterinária (CNMV) Nordman Wall conta que um dos focos da medicina veterinária é justamente trabalhar a saúde do animal na relação com o ser humano. A premissa se enquadra dentro do conceito de saúde única, defendido pelo conselho, que fundamentou o novo Código de Ética do Médico Veterinário publicado em setembro, mês em que se comemora o Dia do Médico Veterinário.
“Eu acho que essa é a maior missão que o médico veterinário tem: preservar essa boa relação entre o homem, o animal e o meio ambiente”, diz Wall.
Segundo o conselheiro, o veterinário não atua apenas para tratar doenças físicas do animal, mas preconiza também seu bem-estar psicológico, que sofre influência da relação com o ser humano. “Temos hoje diversos trabalhos apresentados sobre uma maior qualidade de vida quando você tem um animal dentro de casa, em doenças como o Alzheimer ou limitantes como paralisia cerebral”, destaca Wall.
Esse tipo de tratamento é conhecido como Terapia Assistida por Animais (TAA), ou pet terapia. Além de cães, outros animais como coelhos, tartarugas e até répteis também podem participar. “Esse projeto usa cachorros, mas existem projetos com outros animais para a melhora clínica de patologias humanas, a gente chama isso de zooterapia. Eu acredito que esse tipo de interação melhora patologias do animal também”, declara uma das veterinárias do projeto, Marcela Oliveira Marques.
De acordo Marcela, a interação dos cães com o ser humano é uma troca de energia mútua e por isso a terapia pode ser benéfica também para os animais. “Os cães aprendem a conviver, ficar mais calmos e a controlar a ansiedade. São animais que se tornam mais dóceis em casa”, explica. Para ela, todos ganham com esse tipo de ação, até os veterinários. “A gente acaba trocando essa energia fora do comum e sai com uma energia renovada”, completa.
Cão voluntário
Marcela explica que os cachorros precisam passar por alguns testes antes de se tornarem voluntários. A intenção é comprovar quesitos de saúde e de comportamento. Na lista estão pontos como: os animais devem ser sociáveis e gostar mais de gente do que de outros animais, já que as visitas são feitas em grupo (com outros cachorros); estar em dia com a vacinação e devidamente vermifugado, exigência dos hospitais e controle de zoonoses; usar coleira contra a leischmaniose; atender a alguns comandos básicos de adestramento, como senta, deita e fica; e tomar banho 24 horas antes da visita. Além disso, os donos também precisam assumir o compromisso de adestrá-los e acompanhá-los nas visitas.
Para Maria Cristina Scandiuzzi, diretora de Atenção à Saúde do HAB, os cachorros trazem alegria para os pacientes e para os funcionários. Ela explica que, na área de cuidados paliativos oncológicos, onde as pessoas estão vivendo seus últimos dias de vida, muitos enfrentam dores fortes e outros sintomas comuns ao paciente terminal. “A gente percebe que o cachorro é um facilitador da comunicação da equipe de saúde com o paciente, muitas vezes eles [os pacientes] não se abrem diante do sofrimento e da dor”, diz.
Segundo Cristina, a visita do animal é benéfica em diversas situações, além de evocar a memória afetiva. “Para os pacientes que têm grandes incapacidades, que estão em reabilitação, também tem a questão do movimento que o cachorro traz. Além da alegria, principalmente para o público mais jovem que vem de situação de vulnerabilidade social”, declara Cristina Scandiuzzi.
Outra médica veterinária que integra o projeto é Vanessa Viegas. Ela conta que existem estudos nacionais e internacionais que demonstram os benefícios do contato do cão ou de qualquer outro animal com a pessoa hospitalizada ou em asilo. “A gente tem tanto benefícios físicos imediatos – como uma baixa da frequência cardíaca e pressão arterial –, como emocionais e psicológicos. A pessoa diminui o estresse, aumenta a formação de vínculo e de confiança”, explica.
Vanessa explica que a literatura sobre terapia com animais recomenda visitas de aproximadamente uma hora e meia, com descanso a cada 40 minutos para evitar que ele se estresse.
Na equoterapia, a terapia com cavalos, os animais são usados como agente para ganhos motores, emocionais, psicológicos e comportamentaisImagens da TV Brasil
Equoterapia
Ainda com relação à terapia com animais, a fisioterapeuta Alessandra Prieto, da Associação Nacional de Equoterapia (Ande), explica que na terapia com cavalos, os animais são usados como agente para ganhos motores, emocionais, psicológicos e comportamentais. “A gente usa aqui o termo praticantes e não pacientes. A grande maioria dos casos que atendemos aqui são os transtornos do espectro autista e os indivíduos com paralisia cerebral, mas também temos síndrome de Down, dislexia e outros”, explica.
Alessandra conta que, assim como ocorre com os cachorros, os cavalos que participam da equoterapia também se beneficiam. “Falando de transtornos como o autismo, por exemplo, a gente observa praticantes que não se vinculam com o mediador, às vezes nem com o familiar, mas a gente observa uma grande entrega ao cavalo. E isso também beneficia o animal. O cavalo te aceita do jeito que você é, independentemente de você ser marginalizado pela sociedade”, declara.
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