Por Gabriel Catelli
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB
A 14 km de distância do centro de Ceilândia, uma estrada de terra passa por um pitoresco cenário, com altas árvores, capim e arbustos repletos de flores conhecidas como girassóis mexicanos. O caminho leva até um galpão branco, onde uma música dos anos 1980 sai de dentro das amplas portas de vidro. Por elas, é visível a presença de móveis de madeira, cadeiras, quadros e um andaime. O galpão é na realidade o ateliê do pintor Taigo Meireles, de 35 anos, mestre em artes visuais.
Taigo Meireles nasceu em Brasília e foi criado em Ceilândia, vindo de uma família de nordestinos e goianos. Desde cedo, teve interesse pelo exótico, pela arte e a história dela no mundo ocidental. Começou a desenhar e pintar ainda criança e anos depois passou a ler sobre o tema. Entrou na universidade e teve um maior acesso a bibliografias variadas sobre a trajetória da arte e teoria crítica. Fez mestrado e, quando terminou, deu aulas na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, mas parou para se dedicar exclusivamente à pintura.
Há 10 anos, comprou um sítio nos arredores de Ceilândia e em 2017 começou a construir o ateliê. Agora, com o edifício de de mais de 200 metros quadrados pronto, está providenciando as instalações elétricas enquanto pinta quadros. Ao redor dele, numerosas peças estão apoiadas nas paredes, e o ruído das obras disputa com o som do jazz.
O artista brasiliense pinta usando materiais tradicionais como tinta a óleo, pincéis, trinchas, espátulas, diluentes, solventes e vernizes. Desde a concepção das telas até a execução, ele demora em média um mês para finalizar uma pintura, sendo que trabalha em múltiplas obras ao mesmo tempo. Se incluir retoques, é ainda mais demorado do que isso. O tamanho dos quadros que utiliza varia desde 15×20 cm até 200×150 cm. Taigo afirma que os custos são altos para trabalhar no ateliê, com cerca de R$ 400 mil na obra e mais outros valores para os materiais, o terreno do sítio, ferramentas, iluminação e maquinários para auxiliar no trabalho.
Taigo diz que foi difícil se formar pintor na Ceilândia em razão de uma série de problemas. Dentre eles, destaca a falta de aulas de arte por perto na época, a inexistência de uma escola de belas artes em Brasília e o ambiente e paisagem da periferia. Ele conta que teve aulas com o artista plástico Iri Vilela e depois aprendeu de maneira autodidata até a faculdade. Lá, aprendeu mais a respeito de coisas como teoria e materiais, mas faltou ser ensinado sobre aspectos mais técnicos do desenho. Também, para Taigo, morar no P Norte e conviver com a carência de refinamento estético da RA representou uma força contrária ao desenvolvimento dele como artista.
“Costumo dizer que o meu caso é totalmente improvável, primeiro pela paisagem à qual fui exposto desde criança, com pouco estímulo às poéticas ligadas à tradição das artes. É um ambiente pouco propício à criação artística, então tive que nadar contra a corrente.”
Um dos principais temas presentes na estética da obra de Taigo é a dualidade e a transição do moderno para o pós-moderno. Ele afirma que essa proposta que apresenta é reflexo da realidade dele. Ela o inspira a retratar as contradições existente entre Brasília, que representa a ordem e o moderno, e Ceilândia, que representa o caótico e o pós-moderno. “Eu acredito que nós estamos vivendo uma espécie de tentativa de conjugação entre o legado moderno e o que as novas tecnologias estão propondo, que é essa experiência do pós-moderno”, acrescenta.
O artista se manifesta preocupado em relação à predominância da cultura hip-hop nas periferias do Brasil e do mundo. Ele explica que o fenômeno não é espontâneo, e que as pessoas desses espaços urbanos são condicionadas a aderirem ao plano publicitário da indústria norte-americana. “Não é bem assim, não é só porque você é da periferia que você vai dançar break, vai fazer rap e grafite, obedecendo àquela estética específica lá dos guetos de Nova York. Acho isso cafona na verdade, você atender a essa expectativa de um programa publicitário estadunidense.” Por fim, ressalta a necessidade de aumentar a diversidade da expressão artística nas RAs
Taigo afirma existir uma falta de interesse em arte por parte dos habitantes de Brasília e do DF. “O mercado de arte é pequenininho. Porque pra você ter um mercado de arte você precisa de formação, precisa de pessoas que tenham reunido repertório durante a vida, tenham vivenciado a questão da tradição, saberem que é importante você viver próximo à arte.” Ele conta que a maioria dos colecionadores das obras dele são jovens que tiveram uma educação universalista, viajaram para a Europa e viram os museus. “Viram que não basta você ter o dinheiro, você precisa de repertório, compreender essa tradição e também estar sensível à importância de vivenciar e trazer isso para o seu dia-a-dia.”
O pintor relata que já teve acesso de Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
”Você precisa não só desse dinheiro que chega só no final pra quem já se formou, você precisa de dinheiro injetado na formação, em ambientes que possam formar essas pessoas”, avalia.
Em busca de suficiência e autonomia, Taigo criou o ateliê para poder se adequar às novas demandas do mercado e para não se inserir no sistema das artes, que, segundo ele, está morrendo. A internet também contribui para a autonomia dos artistas, dando a eles o poder de alcançar o público diretamente e difundir as próprias obras. Outra possibilidade é de criadores se relacionarem dando feedback e contribuírem para o crescimento da própria habilidade artística. “Eu espero de alguma forma, mesmo que minimamente, estar sensibilizando as pessoas que convivem comigo e as que são de Ceilândia. As pessoas falam ‘nossa, nem sabia que existia isso aqui na Ceilândia, nem sabia que era possível’. Improvável é, mas é possível.”
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